Os dados mais recentes que temos disponíveis sobre o estado nutricional da população brasileira são da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) divulgada em 2010. Os resultados que mais chamaram a atenção foram aqueles que confirmaram que nossa população vem aumentando de peso de maneira preocupante. Esta tendência vem sendo observada desde 1989 quando, pela primeira vez, pudemos constatar a tendência de queda da desnutrição e o início da escalada do excesso de peso.
Um país historicamente acostumado com dados alarmantes de fome e desnutrição olhou com desconfiança para estes primeiros resultados. No entanto, o excesso de peso e a obesidade estão inexoravelmente nas ruas, nas filas dos serviços de saúde, complicando em diabetes, hipertensão e outras doenças, comprometendo a qualidade de vida presente e futura de crianças ainda muito jovens, adolescentes, adultos, homens e mulheres de norte a sul.
Este excesso de peso vem carimbado pela má qualidade da nossa alimentação, consequência de um sistema alimentar cruel que faz um copo de suco custar mais caro do que um litro de refrigerante.
Se a primeira análise esses resultados nos levam a priorizar a agenda de prevenção e combate ao excesso de peso, algumas considerações são necessárias. É realmente inegável que promover a alimentação saudável é urgente e inadiável para que o alimento seja um fator de proteção, e não de risco à nossa saúde. No entanto, a análise mais detalhada dos resultados revela um outro Brasil, ainda vinculado à fome e a desnutrição.
Se a queda na desnutrição infantil em nível nacional fez com que o Brasil alcançasse antecipadamente a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) relacionada ao combate à fome, ainda encontramos desigualdades regionais. Entre 1989 e 2006, enquanto a região Nordeste foi a que mais avançou na redução da desnutrição entre crianças (de 32,9% de redução para 5,8% no déficit de estatura e de 9,6% para 2,2% no déficit de peso), a região Norte apresentou reduções menores e atualmente possui as maiores prevalências no país, principalmente em relação à desnutrição crônica (déficit de altura para idade), que é mais do que duas vezes a média nacional (14,7% contra 6,7%).
Há ainda desigualdades relacionadas à renda e aos fatores etnorraciais. As faixas de menor renda apresentaram redução muito acentuada nos indicadores de desnutrição. Contudo, a diferença das prevalências de baixa estatura para idade entre o quintil mais rico e o mais pobre ainda é duas vezes e meia maior entre a população de menor renda.
Os poucos dados que existem em relação aos diferentes grupos etnorraciais também indicam iniquidades: o déficit de altura para idade entre crianças indígenas em 2008 -2009 era de 26% contra 6,7% da população como um todo. Para o mesmo indicador, entre as comunidades tradicionais, as crianças quilombolas apresentaram, em 2006, prevalência de 15% de déficit de estatura para a idade.
Resultados do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde, que acompanha a população atendida pelo SUS em geral e as famílias que recebem o Programa Bolsa Família, mostram que a pior situação nutricional é a das crianças de famílias de menor renda e, particularmente, das crianças negras e pardas, grupo em que as prevalências de baixo peso e de baixa altura para idade (5,1% e 16%, respectivamente) são superiores às das crianças brancas (3,5% e 11,1%, respectivamente).
Considerando os princípios do direito humano à alimentação adequada de atendimento prioritário aos mais vulneráveis e participação ativa e informada dos titulares de direito, estes resultados, que demonstraram a persistência de nossa dívida social, demandam ações públicas específicas, que considerem as características da determinação da situação alimentar e nutricional destes grupos e que nos levem a uma situação de maior equidade.
FONTE: Revista do Conselho Federal de Nutricionistas, nº 34, 2011, pág. 10
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